Há uma pregação estranha rondando insistentemente nossos arraiais evangélicos, a de que Deus teria criado o mal.
É uma pregação que parece ter base bíblica porque os defensores da idéia fundamentam suas pregações em um texto do livro do profeta Isaías onde lemos: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.” (Is 45.7)
Aparentemente parece claro, definitivo e contundente e parece conter a afirmação que Deus, de fato, criou o mal. Mas, examinado com atenção por quem não deseja utilizar textos bíblicos como pretexto para fundamentar idéias pessoais, em uma exegese que observe os princípios básicos da hermenêutica, que leve em conta o real significado das frases e palavras e do contexto imediato e total das Escrituras, mostra que não é tão definitivo para definir a origem do mal no universo e, principalmente, para colocar a culpa em Deus.
Se não, vejamos.
1. No contexto geral da Bíblia encontramos que Deus é bom. A sua essência é o amor (1Jo 4.8,16) e por isso faz parte da sua natureza a benignidade, a benevolência, o altruísmo, a justiça, a verdade, a misericórdia (ver 1 Co 13.4-7). Em sua natureza essencialmente benigna não há lugar para a maldade e criar o mal seria uma maldade. Em sua natureza essencialmente verdadeira não há lugar para a mentira e o mal penetrou no mundo através da mentira, pelo pai da mentira em quem não há qualquer resquício de verdade (Gn 3.1-5; Jo 8.44). Em sua natureza essencialmente justa não há lugar para o mal que é a própria manifestação da injustiça (Salmos 11.7; 33.5). Enfim, se Deus é bom, não há qualquer possibilidade de ter criado o mal. Se o fizesse, não seria bom, não teria o amor como sua própria essência.
2. No contexto imediato não encontramos Deus se referindo à criação do mal. Deus está falando de justiça e salvação. Quando diz que criou, no sentido de alguma realização em um momento da história, no passado, diz que criou, exatamente, a justiça e a salvação. Justiça e salvação real, perfeita, porque ele é o único Deus, criador de todas as coisas. Quando fala de luz e trevas, de paz e de mal (veremos adiante de que mal está falando), está mostrando aspectos do exercício da sua justiça e, conseqüentemente, da motivação para ter criado a salvação.
3. Na análise das frases e palavras não encontramos Deus afirmando que em algum momento criou o mal, porém afirmando que cria (em um sentido permanente e contínuo) o mal. Além disso, a palavra na língua hebraica que foi traduzida por mal, não está bem traduzida nesse contexto. Note-se que estão sendo apontadas realidades opostas, antagônicas: luz e trevas, paz e mal? Certamente que a palavra ra’, nesse contexto seria melhor traduzida por um de seus outros significados, como aflição ou adversidade. Aí sim, teríamos uma tradução correta, dentro do sentido da frase: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio a aflição; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas.”
Definitivamente, diante da realidade bíblica, não há como se defender a idéia de que Deus criou o mal. Longe de ser uma verdade bíblica este é um pensamento humano, que ao longo da história desenvolveu a idéia de que em Deus existe tanto o bem quanto o mal, coexistindo nele harmoniosamente em equilíbrio de forças. Mas, repetimos, em Deus não há mal algum porque Ele é perfeitamente bom.